O QUE É "PAIDEIA"?

O QUE É "PAIDEIA"?

O GRUPO DE ESTUDOS E PESQUISAS PAIDEIA e os FUNDAMENTOS DA ARTICULAÇÃO entre FILOSOFIA E EDUCAÇÃO.

          Buscaremos identificar a natureza ética e política da reflexão sobre Educação no Brasil, a partir da tradição da História e da Filosofia clássicas, revitalizando sua potencialidade crítica e emancipatória. Ao compreender a Filosofia como produto social e cultural, área do conhecimento que abrange as mais estruturais questões sobre o Homem, os fundamentos de sua ação, a Moral e a Ética, as bases da vida política e as perspectivas e as contradições do Conhecimento, superando o senso comum e o conhecimento estreito, não há como desvincular a Filosofia da área da Educação. Toda Filosofia encerra-se numa paideia, no resgate deste clássico conceito grego de formação plena do Homem para a vida na pólis, extraindo de sua natureza ética os imperativos e as diretrizes racionais de sua convivência entre iguais. As matrizes da Filosofia na Grécia e as formas de sua revitalização histórica na era Moderna guardam similaridades culturais e políticas. Destarte, na época em que afirma-se a crise da Modernidade e suas construções epistemológicas e institucionais, afirma-se ainda mais o campo da investigação filosófica como necessário para justificar racionalmente o ser e o agir do homem no mundo. Acrescenta-se a este debate uma investigação sobre as matrizes culturais do pensamento brasileiro, construído sob o estigma da colonização portuguesa e seus fundamentos reacionários e anti-modernistas. Trata-se de uma investigação exigente e historicamente necessária, para a efetivação das urgentes mudanças sociais e institucionais postas para a Ciência e Política no Brasil.

    A origem grega do conceito de paideia, entendida como a busca do sentido de uma teoria consciente da educação e do agir do homem em sociedade, permanece como um ideal arquetípico para a Filosofia. Em sua constituição histórica a Filosofia tematiza de diversas maneiras e em diferentes tradições sistêmicas esta problemática fundante. Este tema emerge como uma questão central no mundo constituído pela prática social dos homens e dele recebe um fundamento racional a partir do século IV a.C. Platão e Aristóteles debruçam-se sobre a tarefa de justificar racionalmente a existência social do homem. Os Sofistas foram considerados os fundadores da ciência da educação. A transformação da ciência numa técnica esteve sempre presente na tensão histórica deste campo de investigação. A própria política é uma téchné, para os gregos, que se traduz numa prática de núcleo espiritual que conserva unidas a comunidade e a civilização humanas. A educação ética e política é o traço fundamental da essência da paideia. A educação é assumida como ação consciente. A educação para os gregos é a manifestação do esforço constante da poiésis e do pensamento grego, logos, para conseguirem uma expressão normativa da forma do homem. Poiésis e episteme se fundem na paideia. Na pólis do séc. IV a.C. o conceito de paideia supera a vinculação limitada à instrução da criança. Trata-se de uma reflexão sobre a formação do homem para a vida racional na "pólis". Aplica-se à vida adulta, à formação e a cultura, à sociedade e ao universo espiritual da condição humana. A construção histórica deste mundo da cultura atinge o seu apogeu no momento em que se chega à idéia consciente de educação. (Jaeger, Werner, paideia, Martins Fontes, 1986, 244-246). Nas origens da Filosofia, portanto, encontramos um eixo cultural sobre a reflexão antropológica, o ser do homem e do mundo. Sócrates apresenta uma paideia avançada com relação à paideia sofista e às concepções da paideia antiga, de cunho aristocrático e de formas eclético-religiosos. Com Sócrates, reforçada essa posição por Platão, amplia-se a reflexão racional sobre o papel proeminente do Estado, demiurgo de toda ação educativa, para fazer despertar uma nova reflexão ou matéria do filosofar: a virtude, a ética e o autodomínio. Sócrates apresenta a conduta moral como aquela que brota do interior do próprio indivíduo e não como mera sujeição coercitiva à Lei ou ao Estado. Os gregos da época clássica formulam uma concepção ética derivada da vida coletiva (pólis) e, com Sócrates, na tradição de Platão, inserem a transferência da imagem da cidade para a "alma" do homem. Transfere-se uma "paideia" centrada no Estado, tal como preconizam os sofistas, para uma paideia interior, ética, derivada da consciência da natureza moral do homem. Assim, se na tradição clássica da Grécia a Educação nascia colada à paideia política, com a atuação de Sócrates esta passa a ser uma nova realidade, fundamentada na Ética, na capacidade racional do autodomínio, instância ideal do filósofo, capaz de ser livre e não submetido às "paixões dos sentidos". A paideia ético- socrática funda-se no ideal de liberdade e projeta um estado ideal de "homens livres" e virtuosos. Assume-se a conjunção de que a Filosofia e a Educação e a própria paideia são formas de expressão da natureza racional do homem, centrados nas exigências da "polis" e nas "determinações" nascidas da consciência ética, que conforma os homens num universo e num conjunto pletórico coletivo, instância final do sentido da existência individual.  À virtude política acrescenta-se a reflexão sobre o fim, o sentido e a intencionalidade da existência. Para a Filosofia Grega a verdadeira educação consiste em proporcionar ao homem as condições para alcançar o fim autêntico de sua vida. O homem nasceu para esta paideia, a finalidade e a natureza de seu ser é a consubstanciação desta forma de vida interior, de cultura e da "sabedoria" que nasce de sua "práxis" humana e política.

    Nesse sentido, diz Jaeger: "A história da paideia, encarada como a morfologia genética das relações entre o homem e a pólis, é o fundo filosófico indispensável no qual se deve projetar a compreensão da obra platônica. Para Platão, ao contrário dos grandes filósofos da natureza da época pré-socrática, não é o desejo de resolver o enigma do universo que justifica todos os esforços pelo conhecimento da verdade, mas sim a necessidade do conhecimento para a conservação e estruturação da vida. Platão aspira a realizar a verdadeira comunidade, como o espaço dentro do qual se deve consumar a suprema virtude do homem. A sua obra de reformador está animada do espírito educados da socrática, que não se contenta em contemplar a essência das coisas, mas quer criar o bem. Toda a obra escrita de Platão culmina nos dois grandes sistemas educacionais que são a República e as Leis, e o seu pensamento gira constantemente em torno das premissas filosóficas de toda educação, e tem consciência de sí próprio como a suprema força educadora de homens" (JAEGER ,W. op.cit, p. 407). Assim, vimos cristalizar uma tradição filosófica imbricada numa dimensão sócio-educacional. A filosofia, tal qual logrou constituir-se no Ocidente como uma área do conhecimento humano, sempre conservou conexa e essencial a articulação entre o "fazer filosofia" e a "ação de educar". A Filosofia ateniense amplia a atitude de Pitágoras (séc. VI. a..C.), que tivera formulado os fundamentos da "paideia" grega antiga. Sua tese é que existe um bem que se transmite sem perdê-lo, sem onerar ou diminuir quem lhe distribui: a educação. A paideia abre caminho para a concepção da educação como fundamento da sociedade. Aplicar o instrumental filosófico para pensar as questões educacionais é apenas uma das possibilidades; outra, deveras interessante, é buscar, no interior das questões essencialmente filosóficas, pontos de interlocução com a educação; uma tal abordagem muito teria a contribuir, tanto para a Filosofia quanto para a Educação. Desta forma, o PAIDEIA poderá abrigar pesquisas que tomem por tema importantes pensadores da história da Filosofia para resgatar em seu pensamento as interfaces possíveis com a Educação. Mas poderá dedicar-se, também, a pesquisas voltadas para um determinado problema filosófico e como ele é tratado historicamente, buscando compreender suas implicações educacionais. 

    Na sociedade atual a Filosofia e a Educação vêem-se desafiadas a pensar a articulação entre as novas formas de informação e produção do conhecimento e o amplo avanço tecnológico. A exploração de novos paradigmas para a escola e de novos perfis para o professor numa sociedade em que o aprendizado é permanente e constante, dá-se em múltiplas instituições e, através das diversas e variadas interações do quotidiano, e as linhas demarcatórias entre aprendizagem, trabalho e entretenimento se tornam menos nítidas- todas estas questões estão postas para a investigação sociocrítica e propositiva da Filosofia.

(PAIDEIA, UNICAMP/FE, documento 003, 2012)